De O Estado
Especialistas
em direito eleitoral fizeram ontem duras críticas à aprovação, pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de resolução que retira do Ministério
Público o poder de pedir a instauração de inquéritos policiais para
investigação crimes nas eleições deste ano. A decisão foi tomada na
última sessão plenária de 2013.
Na
prática, o novo entendimento – até 2012 o MP poderia requisitar a
abertura de inquérito – limita o início das investigações, salvo em
casos de flagrante delito, à requisição da Justiça Eleitoral. Para o
relator da matéria, ministro Dias Toffoli, na Justiça Eleitoral o poder
de polícia é inerente ao juiz eleitoral. “O inquérito somente poderá ser
instaurado mediante requisição do magistrado, salvo em flagrante
delito”, disse.
Para o advogado
Marcos Lobo, a resolução é inconstitucional. “O TSE está, na prática,
legislando, o que não é permitido pela Constituição Federal”, declarou.
Ele aponta, ainda, outro equívoco da matéria. “O crime eleitoral é um
crime de ordem pública, portanto, como tirar do Ministério Público, um
dos guardiões dessa ordem, o poder de atuar para mantê-la?”, questionou.
De
acordo com o também advogado Carlos Lula, consultor da Assembleia
Legislativa do Maranhão, o poder do MP de requisitar inquéritos está
expresso na Constituição Federal e não poderia, em tese, ser retirado
por resolução.
“O poder do Ministério
Público de requisitar inquéritos policiais está expresso no art. 129,
VIII, da Constituição Federal. Uma resolução do TSE não poderia,
portanto, contrariar o texto constitucional”, argumentou.
Lula
acredita que a edição de normas como essa – que alteram previsões
legais – causam uma “uma tensão desnecessária” entre os poderes
Judiciário e Legislativo. Ele admite que, em alguns casos, o legislador
não consegue avançar, mas condena a intromissão.
“A
inovação cada vez maior em suas resoluções em nada contribui para a
segurança e estabilidade do processo eleitoral. Há uma vontade manifesta
do TSE de substituir o legislador onde ele não consegue avançar. Ao
exacerbar sua função normativa, a Justiça Eleitoral cria uma tensão
desnecessária com o Poder Legislativo, tentando impor situações que o
legislador nunca conseguiu prever. Mas ao fazê-lo, desrespeita a
Constituição, o que não é permitido a ninguém num sistema democrático”,
concluiu.
Exceção
Membro
consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado Rodrigo Lago
acredita que o TSE errou ao editar a resolução. “Achei um erro do TSE. A
Constituição de 1988 garante a prerrogativa do Ministério Público de
requisitar diretamente o inquérito policial”, pontuou.
Segundo
ele, só há uma exceção para a regra consagrada na Carta Magna. “A única
hipótese em que isso não acontece é quando há o envolvimento de
autoridades com foro por prerrogativa funcional, em que o Tribunal
respectivo deve autorizar a instauração do inquérito”, lembrou.
“O Ministério Público precisa de liberdade para agir”, opina juiz
Em
entrevista a O Estado de S. Paulo, na semana passada, o juiz maranhense
Marlon Reis, membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
(MCCE), organização que propôs ao Congresso Nacional a Lei da
Ficha-Limpa, reforçou o coro dos que se opuseram ao novo entendimento do
Tribunal Superior Eleitoral. Para ele, é preciso garantir liberdade
para a atuação do Ministério Público.
O
magistrado argumenta que não se pode mudar uma regra que vale “em todo o
âmbito da Justiça criminal” e diminuir o poder de apuração do MP apenas
no período eleitoral.
“O Ministério
Público precisa de liberdade para agir e deve ter poder de requisição de
inquéritos. Assim é em todo o âmbito da Justiça criminal e da apuração
de abusos. Não faz sentido que isso seja diminuído em matéria eleitoral.
Pelo contrário, os poderes deveriam ser ampliados, porque o MP atua
justamente como fiscal da aplicação da lei”, critica.
O
juiz também aponta inconstitucionalidade no posicionamento da Justiça
Eleitoral, uma vez que “cria uma limitação ao MP que a Constituição não
prevê”. “O MP tem poderes para requisitar inquéritos, inclusive exerce a
função de controle externo da atividade policial. Entendo que só com
uma alteração constitucional se poderia suprimir esses poderes”,
explica.
Reis avalia a questão,
ainda, por outro prisma. Segundo ele, se mantida a resolução, o seu
resultado pode ser o abarrotamento de pedidos de investigação nas mesas
dos juízes. “Em lugar de diminuir, isso vai aumentar o número de
demandas apresentadas diretamente ao Judiciário. Vai de encontro a
alternativas de agilização e de diminuição das ações”, refletiu.